Transição Capilar e seus significados culturais
- Isabela Lemos
- 2 de dez. de 2018
- 3 min de leitura
Atualizado: 4 de dez. de 2018
Um exercício rápido: dez anos atrás quantas pessoas com cabelo crespo e cacheado você conhecia? Hoje em dia, quantas pessoas você conhece assim? Não é impressão. Nos últimos anos, muitos homens e mulheres passaram por transições capilares e decidiram abandonar as químicas e assumir seus cabelos naturais. O Google BrandLab divulgou uma pesquisa que demonstra um aumento de 232% na busca por cabelo cacheado e 309% por cabelos afro entre 2016 e 2017.
O padrão europeu de beleza passou a se disseminar pelo mundo ao mesmo tempo em que a colonização de países africanos se expandia. Durante o Império, com a importação de bonecas francesas de porcelana, e depois, com a tentativa de “embranquecimento” da população brasileira com a chegada dos europeus, esse padrão foi reforçado no país. No mundo inteiro, a boneca Barbie, criada em 1959 sempre foi uma referência de corpo e beleza, um modelo inatingível na vida real.

Por não serem considerados “bonitos” por muito tempo os poucos produtos destinados aos cabelos crespos e cacheados prometiam apenas “domar” os fios ou a limpar eles. “Quando eu era adolescente e jovem, só existiam produtos para cabelo liso e nunca para cabelo cacheado, então você não achava produto. Hoje, você tem uma infinidade e isso dá um empoderamento muito grande”, relatou Daniela Câmara, 42 anos.
Essas mudanças ocorreram após o crescimento dos movimentos feminista e negro no Brasil buscando igualdade e visibilidade e o surgimento de novas lideranças como Marielle Franco, intelectuais como Djamila Ribeiro e influenciadores como a atriz Taís Araújo, a cantora Karol Conka e a youtuber Gabi Oliveira. Para além disso, as pessoas estão se reconhecendo mais como afrodescendentes, como mostra o estudo do IBGE onde o número de pessoas que se autodeclararam preta ou parda cresceu 14,9% no país entre 2012 e 2016.
A transição não é um momento fácil. Para ajudar nesse processo, surgiram diversos grupos e páginas no Facebook que servem como rede de apoio para quem está passando por essas mudanças. No Instagram e no Youtube, blogueiras e influenciadoras mostram o dia a dia do processo de transição e compartilham dicas para ajudar nesse momento. “(Eu) seguia muitas cacheadas no instagram e pesquisava na internet frequentemente todas as minhas dúvidas sobre o fio cacheado, para já estar preparada para lidar com ele quando toda a química fosse retirada.”, comentou Victoria Laurêdo, 22 anos.
A cabeleireira Joice dos Santos, 34 anos, nota que as mulheres, principalmente as mais jovens estão vendo maiores possibilidades para os cabelos cacheados e crespos. “As meninas agora chegam aqui e pedem pra pintar o cabelo, deixar azul, roxo. Há 5 anos eu quase não via isso e elas se espantavam que eu fazia luzes no meu, mesmo ele sendo crespo”. Joice também diz que sempre vê uma troca de olhares carinhosos na rua entre crespas e pessoas em transição. “A gente sabe o que a pessoa está passando, então quando eu vejo, eu sempre sorrio pra dizer que vai passar”.
O cabelo cacheado e crespo deixou de significar algo “feio” ou “ruim” e passou ser símbolo de liberdade para muitas pessoas, além de ser um resgate às raízes que havia se perdido. Quando questionadas, todas as entrevistadas disseram não se lembrar mais de como eram os fios naturais, outras só conheciam por fotos de infância. No fim, fica uma identificação com a própria aparência e um redescobrimento da autoestima.
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