Caso Eloá: 10 anos depois, o que muda?
- alexiachlamtac
- 31 de mai. de 2018
- 6 min de leitura
Atualizado: 4 de dez. de 2018

No dia 17 de outubro deste ano, completou dez anos do assassinato de Eloá Cristina Pimentel da Silva (15) por seu ex-namorado, o motoboy Lindemberg Alves Fernandes, na época com 22 anos. A jovem foi mantida em cativeiro por 100 horas e assassinada com um tiro na cabeça e outro na virilha, em sua casa no Jardim Santo André, no ABC Paulista. Em dez anos, a pena de Lindemberg foi reduzida e o número de feminicídios no Brasil aumentou 6,4%, de acordo com dados do Atlas da Violência 2018, estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), que analisou as informações sobre casos ocorridos entre 2006 e 2016.

Entende-se como feminicídio crimes cometidos contra mulheres por questões de gênero, ou seja, quando a mulher é assassinada por sua existência. Para o Atlas da Violência, é preciso que haja um “enfrentamento a essas e outras formas de violência de gênero”. O artigo “O caso Eloá: análise da abordagem de feminicídio na mídia”, de Cynthia Semíramis Machado Vianna, explica que o termo foi cunhado, inicialmente, como “femicídio” pela socióloga sul-africana Diana Russell, em 1976, no Tribunal Internacional de Crimes Contra Mulheres, em Bruxelas, na Bélgica. Em conjunto com Jane Caputi, p.h.D em Estudos sobre Mulheres, Gênero e Sexualidade, Russell definiu que feminicídio está para além da misoginia, ou seja, está além do ódio ou preconceito às mulheres por sua condição de gênero. A dupla de pesquisadoras dá dimensão política sobre as violências sofridas pelas “fêmeas” e escancara a série de possíveis ações cometidas a fim de subjugar as mulheres. Aqui, é importante destacar que nem toda mulher assassinada foi vítima de feminicídio, só é caracterizado dessa forma quando o motivo leva em consideração seu gênero, quando sua existência é inferiorizada por ser mulher. O Atlas da Violência 2018 explica ainda os homicídios de mulheres acontecem, em maior parte, em casa, enquanto os homicídios de homens, na rua.
Na época, o caso Eloá, amplamente divulgado, foi caracterizado pela imprensa como um “crime de amor”, uma vez que Lindemberg teria sido motivado pela paixão. O jovem terminou o relacionamento de três anos com Eloá, se arrependeu, quis reatar, mas ela não. Enfurecido, ele invadiu o apartamento onde a estudante morava. Com isso, a cobertura midiática tratou do caso como um crime passional e não como um crime de ódio. De acordo com a pesquisadora Lourdes Bandeira, da UnB, 50% dos casos de feminicídio são cometidos por homens que não aceitam o fim de relacionamentos. Além disso, dados divulgados pela pesquisa “Percepção da sociedade sobre violência e assassinatos de mulheres”, realizada em 2013 pelo Instituto Patrícia Galvão em parceria com o Data Popular revelou que 58% dos entrevistados acreditam que mulheres em relacionamentos abusivos não terminam por medo de serem assassinadas. Porém, 85% acredita que, em caso de denúncia, as vítimas correm mais risco de serem assassinadas por seus companheiros e a maioria entende que o fim do relacionamento é o momento de maior risco de vida para a mulher.

Em dez anos, os estados do Rio Grande do Norte e Maranhão tiveram aumento de 130% em casos de feminicídio. Entretanto, São Paulo, onde Eloá foi morta, apresentou queda de 40,4% em feminicídios. O Atlas da Violência 2018 destaca que para entender esses casos é fundamental que haja o recorte de gênero e raça, que são “resultado da produção e reprodução da iniquidade que permeia a sociedade brasileira”. Em 2016, a taxa de homicídios é maior entre mulheres negras do que entre as mulheres não negras, apresentando diferença de 71%. Ainda sobre a raça, o estudo revela que, entre 2006 e 2016, a taxa de homicídios para cada 100 mil mulheres negras aumentou 15,4%, enquanto entre as mulheres não negras houve redução de 8%.
Tentando mudar esse panorama, em 2015, a então Presidenta da República Dilma Rousseff sancionou a Lei nº13.104, a Lei do Feminicídio. Em março de 2012, uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI)* foi criada para investigar as causas e o cenário da violência contra a mulher no Brasil. A CPMI durou até julho de 2013, quando notou-se a relação direta entre os crimes e o gênero das vítimas. Com a sanção da Lei, o Código Penal foi alterado e o feminicídio tornou-se agravante qualificador para os homicídios. Assim, os casos de feminicídio passaram a ser considerados crime hediondo, ou seja, aquele que o Estado entende como de extrema gravidade e que precisa de punição e atenção mais severas que as demais infrações penais.
De acordo com o Dossiê Feminicídio, do Instituto Patrícia Galvão, esse tipo de delito, quando cometido pelo parceiro ou pelo ex, como no caso de Eloá, é tratado como um fato isolado ou como um momento de descontrole e coloca a vítima como agente responsável pelo crime e não o homicida. O estudo indica ainda que termos como “enciumado”, “inconformado com o término”, “descontrolado” e “apaixonado” aparecem com frequência na imprensa, assim como Lindemberg foi caracterizado. O Dossiê explica ainda que “a tipificação penal do feminicídio foi apontada por especialistas como uma importante ferramenta para denunciar a violência sistêmica contra mulheres em relações conjugais, que muitas vezes resulta em homicídios encarados como ‘crimes passionais’ pela sociedade, pela mídia e até pelo sistema de justiça”.
Assim como destaca o Dossiê Feminicídio, a imprensa tem papel primordial na educação da população sobre esse tipo de crime, na formação de opinião e na pressão por políticas públicas efetivas no combate à violência de gênero. Entretanto, o que foi visto no caso Eloá, há dez anos, foi o contrário disso. O documentário “Quem matou Eloá?”, de Livia Perez, lançado em 2015, traz uma crítica sobre a participação da mídia no caso e sua parcela de culpa no assassinato. Durante as 100 horas em que a jovem foi mantida em cativeiro, diversas redes televisivas se aproveitaram do caso por meio de uma cobertura extensiva que romantizava as ações do ex-namorado de Eloá e prejudicava os trabalhos da polícia como, por exemplo, ocupando a linha telefônica utilizada para negociações.
Conforme é exibido no documentário, diversos programas se utilizaram da situação para alavancar suas audiências. Entre os que fizeram a cobertura do caso, o programa “A tarde é sua”, apresentado por Sônia Abrão, destacou-se pelo aspecto sensacionalista. Tanto no curta de Livia quanto no artigo de Cynthia Semíramis Machado Vianna, fala-se da irresponsabilidade da imprensa. Durante a exibição do programa, o repórter Luiz Guerra entrevistou ao vivo, por telefone, Lindemberg e perguntou mais de uma vez como ele estava e chegou a dizer “a gente quer saber se está tudo bem com você, a nossa preocupação é com você. Ao final de sete minutos de entrevista, a apresentadora diz que Lindemberg está prestes a se entregar e que fará cobertura intensa do momento para evitar que algo aconteça a ele. Um convidado do programa diz que provavelmente o caso deve “terminar em pizza” e torce para que Lindemberg e a “namorada apaixonada” se entendam, superem o corrido e se casem, tendo um final feliz.
De acordo com dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) de 2015, o Brasil ocupa a quinta posição no ranking de países que mais matam em decorrência da violência de gênero. É nesse cenário que a imprensa se faz necessária para conscientizar e educar a população brasileira, colocando luz em um problema que resultou na morte de 1.133 mulheres em 2017, de acordo com o 12º Anuário Brasileiro de Segurança Pública (FBSP 2018). Para o Dossiê Feminicídio, do Instituto Patrícia Galvão, não basta informar sobre o crime, é preciso fazê-lo com responsabilidade social, evitando culpabilizar a vítima e tratar ciúmes como motivação. O documento diz que “ é importante contextualizar a violência procurando saber se no caso específico havia um histórico de ocorrências anteriores e se a vítima procurou ajuda. A partir do problema individual, é necessário estabelecer uma conexão com os aspectos socioculturais envolvidos, como noções de desigualdade de direitos e sentimentos como posse, controle e direito sobre o corpo e a vida das mulheres”.
*A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) é formada pelo Congresso Nacional, unindo a Câmara dos Deputados e o Senado Federal, para investigar algum assunto ou fato de grande importância para a população. Além disso, a CPMI tem poderes semelhantes ao do Judiciário, mas devem acontecer dentro de um prazo pré-estabelecido. Diferente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que necessita de apenas um grupo (Câmara ou Senado), as CPMIs tratam de assuntos de maior relevância e são mistas para evitar pressões ou brigas entre os grupos do Congresso Nacional.
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