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Busca pela autoestima no pós-parto esbarra em cobranças da sociedade

  • 3 de dez. de 2018
  • 5 min de leitura

Termos como “roupa de mãe” fazem parte dos novos rótulos com os quais mulheres precisam aprender a lidar

Dizem por aí que quando nasce um bebê, nasce também uma mãe. De acordo com Adriana Navarro Romagnolo, psicóloga especializada em maternidade e puerpério, “além das mudanças físicas, todos os papéis sociais que a mulher desenvolve também não vão ser mais os mesmos: ela passa de filha pra mãe, de esposa para ‘mãe do meu filho’, de mulher para mãe”. Com a mudança de papel social da mulher, que deixa de ser filha de alguém para se tornar mãe de alguém, mudam também as expectativas da sociedade sobre essa mulher.


Juliana Ali, jornalista, artista, ilustradora e mãe de dois filhos, Teodoro (10) e Carmen (4), a primeira gravidez esteve longe do que ela esperava e acredita que parte desse sentimento tenha sido causado pela romantização da sociedade em torno da maternidade, é a isso também que ela credita a dificuldade de se reencontrar como mulher no pós parto: “naquela época, 10 anos atrás, ninguém falava, por exemplo, que o bebê vai nascer e sua barriga vai continuar parecendo uma barriga de seis meses, ninguém te fala isso, né!? Ninguém te fala sobre as dificuldades dos primeiros meses, são várias coisas que eu não sabia”. Ela destaca ainda que o intenso desejo de ser mãe fez com que ela aceitasse a dificuldade em se reconhecer: “eu aceitei aquilo, aceitei mesmo, falei ‘tá bom, eu aceito, eu pego pra mim isso que agora a Juliana não tem mais, só tem a mãe’”.


Juliana Ali com seus filhos Teodoro e Carmen

A publicitária e escritora Nina Ribeiro, mãe do pequeno Martin de 1 ano, conta que teve a impressão de ficar meses sem se olhar no espelho: “a verdade é que eu não tentei me reencontrar em nenhum momento, foi mais um processo de me reconhecer, saber quem eu era a partir daquele ponto”. Já Carla Paredes, designer por formação, blogueira co-fundadora do (F)utilidades e mãe de Arthur, de quase 3 anos, comenta que evitou ler sobre maternidade enquanto estava grávida, o que hoje considera ter sido um erro, e que certo dia, enquanto amamentava seu filho de madrugada, sentiu solitária e questionando-se o que havia feito com a sua vida. Ao fim do primeiro mês, a situação melhorou com a chegada de uma babá, mas foi quando o bebê fez seis meses que tudo voltou a piorar.


Carla Paredes e seu filho Arthur / Foto: Bárbara Palhano

O marido de Carla recebeu uma proposta para trabalhar nos Estados Unidos e com a mudança para o novo país, ela precisou encarar a maternidade integral: “quando me vi ali, sozinha a maior parte do dia com meu filho, sem poder fazer qualquer coisa fora de casa sem depender do meu marido, é que eu tive o verdadeiro baby blues. Eu nem sabia que eu poderia ter isso tanto tempo depois do parto. Mas aquela tristeza e aquela sensação de que nada iria voltar novamente para o lugar estavam ali, se fazendo presentes e mais fortes do que nunca”, conta. A psicóloga Adriana Navarro explica que o baby blues é “ a somatória de fatores físicos e emocionais que esse pós-parto imediato traz à tona! Todos os lutos que a mulher vivencia nesse período e a transição de ideal para real (bebê, mãe, família, pai)”, diz ela.


“Tornar-se mãe é um processo transformador e desgastante. Não só porque temos que lidar com mudanças internas, mas também porque nos deparamos com as (novas) expectativas dos outros sobre a nossa vida. Junto com o bebê nasce uma cartilha de como a mãe deve agir e isso, é claro, passa pela forma como nós nos vestimos e pelo que as pessoas entendem por ‘roupa de mãe’”. É assim que Nina Ribeiro começa seu texto sobre “O que vestem as mães?”, para o Hysteria. Muito se fala em “roupa de mãe”. Mas afinal, o que é “roupa de mãe”? De fato existe essa nova categoria no vestuário feminino?


Nina Ribeiro usando sua "roupa de mãe"

Para a psicóloga Adriana Navarro, o que existe é uma construção social que vem desde a medicina higienista, na metade do século XIX, quando o Estado passou a responsabilidade da saúde das crianças para as mães, visando diminuir a mortalidade infantil: “o índice de mortalidade materno-infantil era muito alto e o Estado não estava dando conta de combater, e aí eles entenderam que tanto a amamentação, quanto os cuidados em casa, eles interferiam para a morte materno-infantil e principalmente neonatal”. Assim como o provérbio africano que diz, em tradução livre, que “é preciso uma vila para criar uma criança”, Adriana explica que antes da medicina higienista, as amas de leite faziam o papel de alimentar e cuidar dos bebês, “a criança não tinha uma única mãe, era criada em aldeia. E com a medicina higienista, isso caiu, esse cenário mudou e aí as mães passaram a ser responsáveis por manter a saúde e a vida dos filhos”, explica. Somado à mudança social, Adriana relembra o ideal de mãe da sociedade cristã, onde a mãe é vista como um ser sagrado.


Com a soma desses fatores, a psicóloga acredita que tenha surgido um ideal de “roupa de mãe”, que mantenha a santidade da mulher. Porém, ela ressalta que a mãe “é uma mulher, tanto quanto outras. Tem vontades, tem desejos, tem hora que vai ficar triste, não é perfeita o tempo inteiro, vai errar com os filhos, é uma mulher que tem relacionamento sexual e que tem, muitas vezes, uma vida sexual ativa e a sociedade olha isso com julgamento, né. Então mãe tem que ser puritana, tem que se comportar, não pode usar roupa curta, não pode usar decote e é muito por conta dessa construção social que tem sobre a figura da maternidade”, explica.


Fugindo da construção social, a publicitária Nina Ribeiro acredita que existe, sim, uma nova forma de se vestir depois de ter filho, mas “não em termos de discrição ou de ser recatada por causa da visão social de que mãe são seres imaculados. Mas porque eu preciso de roupas adequadas a um dia a dia muito específico”. Assim como Nina, Carla Paredes, acredita que “existem roupas que são mais práticas depois que você tem filhos”, mas não gosta do termo “roupa de mãe” porque entende que ele é atribuído a roupas mais casuais, “geralmente só vejo roupas mais desleixadas e mais largadas que levam esse título, só ajudam a reforçar o estereótipo da mulher que depois que vira mãe, se descuida”. Carla é carioca, passou 6 anos morando em São Paulo e mudou-se para Nova Iorque quando seu filho tinha seis meses, para ela, a mudança de cidade e os novos hábitos de locomoção influenciaram mais em seu estilo do que a maternidade em si.


Diferente das duas, Juliana Ali acredita que só existe um tipo de roupa: “a roupa que eu conheço é ‘eu quero por isso, eu ponho’, acabou, quero que se dane se você é mãe, quantos anos você tem, se você é magra ou gorda”, diz ela. Apesar de procurar roupas mais resistentes, as tais “roupas de mãe”, Nina explica que “nada mais parece meu, tudo que eu tenho é coletivo: meu corpo, minha comida, minha casa, minha cama… então, tenho tentado achar nas roupas as coisas que são exclusivamente minhas”.


Enquanto Nina encontra sua individualidade nas roupas, Carla encontra nas horas em que Arthur está na escola, para ela, é necessário que exista uma separação entre quem ela é como mulher e como mãe: “eu preciso estar inteira como mulher para ser uma mãe melhor. Quando sou consumida à maternidade e me vejo o dia inteira nessa única função, eu não consigo me ver completa, e também não acho que consigo ser a melhor versão de mãe que eu posso ser”. Para Juliana Ali, entretanto, há certo orgulho no status de mãe: “eu me identifico em ser mamãe, eu também identifico muito bem a minha própria personalidade, eu acho que não precisa, dentro de mim, tá tudo muito bem organizado”.

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