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Fechamento de títulos da Abril pode afetar público feminino

  • Foto do escritor: alexiachlamtac
    alexiachlamtac
  • 26 de nov. de 2018
  • 9 min de leitura

Atualizado: 4 de dez. de 2018

Após encerramento de mais de dez títulos, o mercado editorial voltado para mulheres perde importantes títulos

No começo de agosto deste ano, o grupo Abril anunciou o fechamento de 10 títulos, entre eles, Elle e Cosmopolitan, duas das principais revistas voltadas para o público feminino e que apresentavam significativas mudanças editoriais, com conteúdos que abordavam o feminino de forma mais diversa e inclusiva. A antiga editora de beleza da Elle, Carolina Vasone, migrou para revista após notar tal mudança e por acreditar no que o veículo vinha apresentando ao público, ou seja, “a ideia de que existem várias possibilidades de beleza e que a gente precisa treinar o nosso olhar, que está viciado em uma ditadura, um padrão muito excludente e muito míope, pequeno, limitado”. A jornalista acredita ainda que o papel da revista era o de apresentar as diferentes tecnologias existentes no mercado da beleza, mas que não deveriam “incentivar as pessoas a quererem se transformar completamente”.


Carolina Vasone, da Elle

O encerramento dos títulos foi decisão da empresa de reestruturação Alvarez & Marsal logo após ter assumido o controle do grupo Abril em uma tentativa de recuperação econômica. Além da crise no mercado, jornalistas acreditam que o fim esteja relacionado a um modelo retrógrado de fazer notícia. Para entender as mudanças que vêm ocorrendo no conglomerado de mídia e no restante do mercado editorial, é importante entender o contexto brasileiro e, principalmente, os hábitos de consumo de mídia. Para Carolina, o fechamento dos títulos: “tem a ver com crise mesmo e com eles não saberem aproveitar, não saberem se colocar dentro dessa realidade atual, que é uma realidade não só do título como uma revista impressa, não só como um objeto, mas como uma marca”. Já Paola Deodoro, ex-editora de beleza da Cosmopolitan, acredita que a questão envolve não só o momento econômico do Brasil como também uma má gestão dos grandes grupos de mídia, de forma geral. Além disso, ela credita uma dose de machismo ao encerramento dos títulos comandado por um board de onze homens: “eu não conheço eles, mas é a impressão que eu fiquei e que não entendem, de verdade, o papel das revistas na sociedade, das revistas femininas”. Entretanto, ela não crê que tenha sido com o intuito de prejudicar o público feminino e sim, por encerrarem os títulos sem conversar com as pessoas envolvidas e interessadas na continuação dos títulos.

Paola Deodoro / Foto: Reprodução Instagram

A doutora em Comunicação e Cultura, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Lúcia Santa Cruz ressalta que é preciso levar a internet em consideração nessa análise e dois pontos distintos precisam ser analisados: “a crise específica do grupo Abril, que é uma crise econômica, e uma crise mais estrutural em relação às revistas impressas, que estão sofrendo essa concorrência da internet”. Para Paola, falta um mea culpa dos jornalistas, que não têm enxergado o funcionamento do mundo como ele é e não estão se adaptando ao novo, ela diz que o fechamento dos títulos não significa que “a informação deixou de existir, isso não quer dizer que as pessoas pararam de se informar, pararam de consumir informação, né, esse formato mudou”.


De acordo com a Pesquisa Brasileira de Mídia 2016, realizada pela Secretaria de Comunicação Social do Governo, apenas 3% dos brasileiros usam jornais como forma de informação, enquanto revistas entram no 1% de outros meios. A internet é a escolha de 26% da população e a TV, de 63%. O percentual é exatamente o mesmo quando analisado apenas o sexo feminino. Além disso, quanto mais alta a renda familiar, maior a taxa de preferência pela internet como meio de informação e menor a preferência pela televisão. Jornais e revistas, independente da classe social, oscilam entre 0% e 7%. Na pesquisa, quando mencionaram dois meios de comunicação, 1% mencionou as revistas. Entre os entrevistados, 25% mencionaram ler revistas e a Veja, uma das sobreviventes dos cortes do grupo Abril, foi a mais citada. A 19º Pesquisa Global de Entretenimento e Mídia 2018-2022, realizada pela empresa de consultoria PwC, revela que os gastos publicitários em mídia, os segmentos mais impactados negativamente são os que operam de modo offline: revistas, jornais, livros e TV por assinatura. As revistas são as que tiveram a pior previsão de crescimento.


Gráfico retirado da Pesquisa Global de Entretenimento e Mídia 2018-2022

Além disso, a crise econômica no País interfere diretamente nos hábitos de consumo da população. De acordo com dados divulgados no site “PubliAbril”, dedicado à venda de espaços publicitários dos veículos do grupo, o público da Elle é composto por 45,4% pela classe B e 18,2% pela classe A. Na Cosmopolitan, o público é composto 45,5% pela classe B e 7,9% pela classe A. De acordo com uma pesquisa divulgada pelo Valor, realizada pelo Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos do banco Bradesco e da consultoria LCA, baseados em pesquisas domiciliares do IBGE, 900 mil pessoas deixaram de integrar as classes A e B em 2017. De acordo com dados do Instituto Verificador de Comunicação (IVC), a Elle tinha 58% de circulação líquida no Sudeste e a Cosmopolitan 57,45% na mesma região. A pesquisa divulgada pelo Valor revela que a região foi a que sofreu maior impacto nas classes A e B, perdendo 2,5% das pessoas pertencentes a elas.


A queda de vendas, no caso específico da Elle e da Cosmopolitan, ganha um agravante: a marca de nenhuma das duas revistas pertencia à Abril, ambas eram licenciamentos de nome e exigiam pagamentos de royalties às suas detentoras. Ou seja, o conglomerado de mídia precisava pagar um alto valor para usar os nomes em suas revistas. Com isso, o custo de cada título tornava-se ainda mais alto em relação à Cláudia, por exemplo, que foi criada pelo grupo.


A especialista Lúcia Santa Cruz diz que há outro agravante. A concorrência ultrapassa o meio jornalístico, “é uma concorrência tanto com veículos produzidos por jornalistas como também por blogueiras, instagramers, influenciadores digitais e por aí vai…”. Com isso, a credibilidade também começa a mudar de mão, ela argumenta que “tem uma amplitude muito maior de players, de concorrentes, e que não são necessariamente jornalistas e acabam tendo muito mais ou carregando uma credibilidades que essas revistas não tem mais”.


Já Paola Deodoro pondera relembrando a questão econômica e acredita que, caso a economia nacional estivesse estabilizada, “a gente talvez conseguisse levar isso por um pouco mais de tempo, mas não ia ser muito também”. Ela acredita que a forma de lidar com as informações mudou e que a notícia está “em todos os lugares, ela vira uma arma perigosa, né!?”. Para ela, os jornalistas fizeram mal uso desse novo espaço, “o jornalista deveria ter se posicionado nesse espaço que se abriu, que a internet abriu, para ser meio como um juiz de futebol e isso não aconteceu. Então, a gente (jornalistas) está perdendo esse espaço”.


Para a editora de beleza da Elle, as discussões da revista estavam em consonância com os novos tempos, ou seja, a questão não era o conteúdo em si, “mas talvez precisasse explorar outras ferramentas, outros formatos de divulgação dessa mensagem”. A pesquisa Hábitos de Mídia, realizada pela Checon Pesquisa e divulgada pelo SEBRAE, em julho, revela que 31% dos entrevistados leram ou folhearam uma revista impressa nos três meses que antecederam a pesquisa, mas só 13% leram ou acessaram uma revista digital. Em comparação com jornais, a lógica de consumo de notícia é diferente. Entre os entrevistados, 32% afirmam ter lido ou folheado um jornal impresso e 63% leram ou acessaram um site de notícias nos três meses anteriores à pesquisa. Entretanto, de acordo com uma pesquisa divulgada em janeiro deste ano pela plataforma HootSuite, brasileiros gastam em média 9 horas e 14 minutos por dia na internet diariamente.


Para Lúcia, o encerramento dessas revistas não gera perdas expressivas para o público leitor, já que a internet oferece tantos outros canais de informação. Ela cita como exemplo a revista AzMina e o Think Olga, que trazem, de formas mais aprofundada, conteúdos feministas e contestadores. Lúcia ressalta que “tem a ver com o tipo de conteúdo que as mulheres querem ter acesso hoje em dia”. Carolina, entretanto, acredita que “é mais um espaço que se fecha, um espaço onde esse diálogo (mais contestador) estava acontecendo”. Ela ressalta que o importante, agora, é que a discussão continue acontecendo e diz que o fechamento da Elle é negativo no mercado de revistas impressas, já que apesar de sua presença online, a revista não tivesse impacto tão expressivo.


A jornalista Paola Deodoro vai além e declara que é um momento de perda de conteúdo aprofundado e coerente. Para ela, “quando a gente começa a viver e entender que essas publicações online e os trabalhos dos influenciadores, e de tudo que está acontecendo, tem sempre um caráter muito pessoal, a gente entra nessa onda egotrípica louca que a gente vive hoje em dia e esquece de ouvir lados diferentes”. Carolina complementa dizendo que se não começarem a surgir novos veículos comprometidos com o processo de apuração da notícia, a população será a maior prejudicada.


Para ela, o encerramento de tantos títulos ao mesmo tempo “é mais uma ameaça às revistas impressas, à revista como objeto, e prejudica o público porque ele perde algumas referências”. Ela destaca a importância do jornalista e da imprensa no processo de informar a população em meio a tantas notícias falsas e conteúdos patrocinados por marcas, os publiposts, “por mais que a gente saiba que as revistas não são santas, ainda existe um padrão de qualidade ali, que é alto, e as pessoas que estão lá são jornalistas sérios, que sabem o que não podem fazer, que seguem uma ética da empresa e da formação delas”.

- A mudança editorial trazida pelo feminismo:

O livro O mito da beleza, de Naomi Wolf, em seu capítulo sobre Cultura aborda as revistas femininas e diz o quanto a propaganda tentava preservar o feminino enquanto as mulheres assumiam novos postos sociais antes tidos como masculinos. A autora diz que “as revistas (femininas) precisavam se assegurar de que suas leitoras não se liberariam ao ponto de perderem o interesse pelas revistas femininas”. Para ela, o mito da beleza surgiu para salvar as revistas do colapso econômico e ano após ano, década após década, novos mitos da beleza foram sendo criados como forma de gerar um frequente senso de incompletude entre as mulheres. Quanto mais independentes elas se tornam, maior é o esforço da indústria para aprisioná-las em um novo tipo de insegurança estética. A autora diz que antigamente a mulher não podia deixar de ter filhos, hoje ela não pode deixar de ser linda.



No Brasil, principalmente, observa-se que a revista Elle começou a traçar uma mudança editorial, influenciada pelos movimentos surgidos na internet, como os blogs e as influenciadoras digitais, que trouxeram uma nova forma de se comunicar e uma quebra nos padrões vendidos pelas revistas. Em maio de 2015, a capa da revista era um espelho, que indicava que as leitoras eram a nova capa. A mesma edição trazia Juliana Romano, blogueira plus size, como uma de suas “capas”. Desde então, o conteúdo editorial passou a, gradativamente, ser mais inclusivo e contestador, influenciando posteriormente outras revistas do setor a fazerem o mesmo.


Com orgulho, a jornalista Carolina Vasone conta que, na Elle, o conteúdo “estimulava as pessoas a abrirem o olhar e a enxergarem outras possibilidades de beleza nelas mesmas e em outras pessoas”. Para ela, as mulheres vivem um momento de experimentação da liberdade, que é muito rico e libertador, e com isso, a imprensa “pode estimular e pode trocar ferramentas para que seja ainda mais livre, que a gente se reinvente, reveja conceitos do passado”.


A antiga editora de beleza da revista ressalta que “a gente está vivendo uma nova onda feminista no Brasil, (...) da autoaceitação, do feminismo negro, e eu acho que a gente está se livrando de antigos preconceitos, de antigas exigências”. Essas mudanças, segundo ela, acabam se refletindo nas revistas femininas “porque elas estão conectadas com o espírito do tempo. As que estão mais conectadas estão refletindo tudo isso, não falam mais sobre criar só filhos, falam também sobre porque hoje é possível filhos e carreira ao mesmo tempo, né”!? Para Paola Deodoro, da Cosmopolitan, a impressão é quase a mesma: “antes, a gente tinha poucos padrões de beleza e, hoje, a gente não consegue nem mais usar essa expressão. A gente tinha muitos poucos padrões de beleza, vivia em função deles e era muito dolorido, muito triste para muita gente. Muita gente se considerava fora do contexto, muita gente sofria para se encaixar no contexto, quem estava no contexto não estava feliz”.


A jornalista fica feliz com a mudança também por suas raízes, ela diz que “como mulher negra, é muito importante ver essa mudança porque as minhas referências são outras, né!? Eu sempre achei uma mulher negra mais bonita, na média, e não entendia a exclusão disso porque as minhas referências são essas”. Ela conta que suas referências primárias eram de sua família, que é negra, e adorava o que via, mas não entendia porque não via em outros lugares: “eu tinha essas referências, mas me sentia sozinha na conversa”.


Com as mudanças nos paradigmas de beleza, Paola diz que vê mudanças não apenas com mulheres negras: “o olhar tá sendo ampliado com relação às formas do corpo, texturas de cabelo, quantidade de maquiagem… Enfim, um olhar diverso e, para mim, o mundo está ficando mais bonito”. Carol Vasone também acredita que está começando a existir uma quebra dos tabus de beleza e, com isso, há uma diminuição da competitividade feminina e de maior empatia entre mulheres. Essa mudança reflete no conteúdo editorial das revistas femininas, que “até 4 anos atrás era dieta, tratamentos estéticos, dicas para você conquistar o seu homem ou enlouquecer o seu homem na cama”. Os novos tempos trouxeram novos conteúdos: “agora, são dicas para você se enlouquecer na cama. É uma abordagem que acompanha os novos corpos, novos tipos de beleza, mulheres, que são mais gordinhas ou que não são super magras como as modelos. Nosso olhar mudou até sobre essas mulheres, sobre nós mesmas”.

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