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SPFW N. 46: o silêncio da moda

  • Foto do escritor: alexiachlamtac
    alexiachlamtac
  • 31 de mai. de 2018
  • 5 min de leitura

Atualizado: 27 de nov. de 2018



Desfile da LED, na SPFW N.46 - Foto: Marcelo Soubhia/ Agência Fotosite

Na semana que antecedeu o segundo turno da eleição presidencial mais importante desde a redemocratização brasileira, aconteceu a São Paulo Fashion Week N.46. Em meio às discussões sobre o processo democrático, apenas 2 das 35 marcas desfiladas trouxeram a política para os seus desfiles. A representatividade étnica do país também ficou de lado. De acordo com matéria da Folha de São Paulo, apenas 28% dos looks desfilados foram vestidos por modelos negros.


A pesquisa promovida pelo We Are Social e a plataforma HootSuite, divulgada em janeiro deste ano, aponta que a indústria da moda é a de maior consumo em e-commerces. Ao todo foram gastos US$6.361 bilhões em 2017, no Brasil, apresentando um crescimento de 13% em relação ao ano anterior. A segunda maior indústria geradora de empregos no País, de acordo com dados da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecções (ABIT) de 2017, atualizados em outubro de 2018, tem como característica ser pautada por movimentos políticos.



Década após década, a moda se adapta e traduz os movimentos sociais de sua época. Como o prêt-à-porter, do final da década de 1940, que trazia roupas luxuosas prontas para serem vestidas produzidas em larga escala e com preços mais acessíveis do que as peças de alta costura. A nova forma de vestir vinha em resposta ao fim da Segunda Guerra Mundial e fazia parte de um processo de democratização da moda. Podemos citar como exemplo também os anos 1970 e a moda bohemian, com tecidos fluidos e modelagens mais soltas que traduziam a liberdade do movimento hippie, as influências do festival de Woodstock e a luta pelo fim da Guerra Fria.


No Brasil, entretanto, há anos a moda se cala ao que acontece ao seu redor e se limita a reproduzir modelagens e histórias já contadas. Pouco se cria, muito se copia. É com essa demonstração de isenção, que acontece mais uma semana de moda, a grande responsável por influenciar a população brasileira, direta ou indiretamente, na forma de vestir, pensar e existir.


Em meio ao silêncio da maioria, dois grandes estilistas se destacaram por seus desfiles políticos: Ronaldo Fraga, conhecido por trazer discussões sociais para as passarelas da São Paulo Fashion Week; e o novato Célio Dias, da LED, que participou da semana de moda por meio do desfile coletivo “Top 5”, uma iniciativa fomentada pelo Sebrae em parceria com a In-Mod. Em comum, os dois estilistas tem o estado de origem, ambos são mineiros, e a consciência de sua função social como criadores de discursos por meio de peças de roupa.

Beijo gay em desfile de Ronaldo Fraga - Foto: Charles Naseh

O primeiro, veterano da moda nacional e militante ativo das redes sociais, trouxe para o seu catwalk uma mesa coletiva entre árabes e judeus em contraponto à intolerância do mundo. Entre homens de saia, estrelas de Davi e acessórios de pregos, teve beijo gay ovacionado na frente das câmeras e de um público bolsonarista. Ali, no meio de um apelo têxtil pela tolerância, desfilou um modelo negro com uma tipoia feita com uma camisa da Seleção Brasileira de Futebol e que escancarava que o Brasil de verdade está quebrado. O país em que 50 milhões de habitantes, 25,4% de sua população, como aponta o IBGE, tem renda familiar equivalente a R$387,07.


Diferente de Fraga, Célio Dias tem uma carreira mais jovem na Semana de Moda e, em seu terceiro desfile no evento, trouxe a “bicha arretada” em tentativa de desconstruir a masculinidade viril do homem do Nordeste. Apresentou homens com tangas super-cavadas de crochê, transparências plásticas e as misturas do crochê com o tricô, que remetiam aos trabalhos manuais subexplorados da região. Seu desfile transgressor mostrava o óbvio contraponto entre o Sul conservador e o Nordeste progressista. Ao cumprimentar os convidados no final do desfile, Dias usava uma camiseta escrito “Bichas, resistam!”.

Impossível pensar no desfile da LED e não lembrar de “Bixa Preta”, música de Mc Linn da Quebrada, mulher trans, bicha, preta e militante LGBT da periferia. O single questiona os privilégios e aborda a violência machista sofrida pelas bichas ao som de um ritmo pop dançante consumido pelas elites moderninhas.

Ainda hoje, o Norte e o Nordeste do País ainda são as regiões que mais sofrem com a desigualdade social no país. De acordo com a pesquisa Síntese de Indicadores Sociais 2017 (IBGE), o Nordeste é a região com mais jovens que não estudam e não trabalham, correspondendo a 32,2%. É também no Norte e no Nordeste que se concentram os maiores índices de pobreza no Brasil: no Maranhão, 52,4% da população está inserida nos índices de pobres; no Amazonas, a taxa corresponde a 49,2%; e em Alagoas, a 47,4%.


Não só sobre política a moda tem se omitido. Em 2009, a Semana de Moda e o Ministério Público firmaram um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para que cada marca desfilada passasse a utilizar pelo menos 10% de modelos negros ou indígenas. Quase dez anos depois do firmamento do acordo, houve pouco avanço na diversidade racial de modelos. De acordo com matéria da Folha de São Paulo dos repórteres Pedro Diniz e Giuliana Mesquita, o índice de modelos negros muda para pouco mais de 10% se excluirmos as dez novas marcas independentes que desfilaram e as pequenas Apartamento 03 e João Pimenta, que fizeram desfiles homenageando a cultura negra.


A reportagem mostra que Gloria Coelho (4%) e Lino Villaventura (7%) ainda ficaram abaixo do índice acordado. Em entrevista à Diniz e Mesquista, Villaventura disse que a diversidade não deve estar na quantidade de modelos usados e sim, na importância dada a cada um deles. O estilista criticou ainda a obrigatoriedade e disse que muitas vezes a escolha é impedida por falta de disponibilidade ou qualidade dos modelos Profissionais entrevistados pela dupla de jornalistas acreditam que falta vontade e interesse na inclusão. A reportagem faz ainda um contraponto com as principais marcas do Hemisfério Norte que atingiram 21% de diversidade em seus “castings”. A falta de representatividade na principal semana de moda do país, e uma das cinco mais importantes do mundo, torna-se ainda mais dramática ao lembrarmos que 54% da população brasileira é negra (IBGE).


É esse silêncio e posicionamento alheio à realidade que corrobora o velho preconceito de que a moda é fútil, dispensável e ignora que a Cadeia Têxtil e de Confecção, segundo a ABIT, teve faturamento de US$51,58 bilhões em 2017, um crescimento de quase US$10 bilhões em comparação aos US$42,94 bilhões faturados no ano anterior. O setor é responsável também por 1,5 milhão de empregados diretos e 8 milhões se adicionarmos os indiretos. Desses, 75% são compostos por mão de obra feminina. São essas trabalhadoras que foram colocadas em risco quando o silêncio geral não as defendeu de um então candidato à Presidência da República que afirmou mais de uma vez que mulheres merecem ganhar menos porque engravidam. Os estilistas em silêncio foram incapazes de lembrar das engrenagens da indústria que os sustenta.

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